Terra, Serra dos Pirineus.
Horizonte que ainda não vi,
desconheço. Não ainda. Conheço o mais geral, o conhecido de todos, fácil e
oferecido à vista. Mas aquilo que a fotografia mostra, o que o dedo de minha
filha fez ver, ser possível de ser visto, é o meu recorte na Serra, no cerrado,
no distante horizonte que, já demarcado, já meu, ainda não toquei como dona. A
posse é algo da ordem da ideia, do impensado, mas um papel me diz que sim, e a
foto atesta que sim: há este lugar e ele me pertence na terra. Estranhamente
meu aquele espaço clicado, grafado no papel virtual pela lente e pela lei
papel-dependente. Assim, possuidora de um recorte na Serra, nos Pirineus daqui,
sonho o horizonte, aquele, como a morada dos deuses à qual me foi dado acesso, sendo destinada, ela que a mim veio. Eu
descortinada por lá, a esperar por mim. Morada donde habitarei, em distintos
tempos e estados (meus, de meu corpo), habitarei. Entre esconderijos, eventuais
cavernas, sem barricadas, eu a esperar por mim num esconde-esconde fora do
tempo. Entre as vozes gregas, romanas, latinas, africanas que escuto naquele
espaço, que saltam das fotos, desde ele, chega a mim veloz, pertinente, o
passeio por intermitências, territorialidades essenciais. Desde este espaço
sonho outro o que talvez também me pertença e eu a ele, pertença que dizem antiga
atualizada - eu sem nada saber. Serra dos Pirineus, o fragmento dela que palmilharei,
com pés e sem eles, o azul, o azul, o
azul e pequenos cajus do cerrado em primeiro plano. Desapropriada de mim,
possuo. Despertencida, pertenço. Sem terra nenhuma, à deriva a foto me
localiza, um site no mundo este meu. E ela me fala, diz, sussurra, essa terra:
é aqui, é aqui a tua terra última, a terra desde onde olharás sem olhos a
terra, essa Terra, céu por todos os lados, vento poliglota a guiar-te, vento
conhecedor de todas as mitologias, pássaros de infinitos nomes alardeando a
alegria do espaço. Adivinho, pressinto na foto, no papel que revela, a cortina
sobre uma abertura, essa abertura dos espaços que são de fato espaços, desmesurados,
abissais, aqueles que expõem, que não abrigam nem acobertam, expõe
despudoradamente.
Desenho um flamboyant escandaloso
na memória, na memória do que há de ser, do que não sei, memória futura, reminiscência. Embaixo dele. Ventando
nele, na explosão laranja ventando o vento que me demarca, estou lá, aqui
sentindo o estar lá, lá na Serra, no alto, onde há essa terra que o número doze
demarca, possuída por meu desejo e decisão, assinada por mim que a intuí e
disse Sim. Um lugar para mim, para o que corpo carrega desse mim que não sei o
que é (quem sabe?). Pertencimentos. Um depois desmesurado, impensável, possível
apenas de ser pensado assim, improvável mas localizável território. A foto já
me contém. Aquela que está lá já sou eu saltando com os animais, muito próxima
deles, temor nenhum, conhecedora da língua dos pássaros, todas elas. Minha muda
futura língua será assim, passarinha. Cantando desde agora.
(17 de outubro de 2013)
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