Um corpo. Aquele corpo. Um corpo Pina Bausch. O
silêncio a figura estática a escuridão, a leitura que Tadashi Endo nos propõe,
o lento alçar-se do personagem. Auréola de luz projetada no rosto que de Cristo
vira Buda tailandês e depois cara de horror (O Grito?).
O ator se levanta. O cenário em que se move é o espaço negro do
palco com um retângulo de metal dependurado.
Endo gruda-se em um lado da lâmina, que gira. Naquele elemento
(retângulo com homem) pode se ver a terra em
rotação (tu não tem moves de ti). Outro momento, no retângulo-lâmina-espelho
que reflete ator que dança, pura beleza. O corpo bausch, música da alma. Outro
momento, Sísifo a carregar nas costas múltiplo retângulo - tudo é possível para quem tem dois pés. E isto
se trata de dança. Outro momento, ouve-se trecho da Melodia Sentimental da Floresta Amazônica, de Villa-Lobos, que diz: Acorda, vem ver a lua/Que dorme na noite
escura/que surge tão bela e branca/Derramando doçura/Clara chama silente/Ardendo
meu sonhar/As asas da noite que surgem/E correm no espaço profundo.
Mais adiante, em retângulo no chão, Narciso nu
funde–se consigo, ao levantar-se, ama-se
ao som de inesperado Gardel. De repente Cristo
reaparece naquele corpo deitado – voz mulher em neo-gospel where you there when they nailed him to the cross? /sometimes it causes
me to tremble. Às vezes isso me faz tremer. Isso. É o que
canta a voz. A música falando por ele, em três línguas, explícito.
As construções: Vazio - o tempo parado e lento do
começo do Réquiem. Catedral de som - adentramos como num túnel, fundo no universo, as transformações
se seguem. Jardim ao luar -
inexistente - belo é ouvir e ver. Ao final do solo Réquiem, está em cena enorme
imagem que remete à Pina Bausch em Café Muller
(o vestido branco que Endo também veste).
Do monge em negro do
princípio à semi-deusa toda branca. A abstração da dança, que passa pelo corpo
nu. Os braços de Pina, os braços tão magros e estendidos como os braços magros e estendidos
de Endo. Muito além do óbvio masculin/feminin/ying/yang/negro/branco/butoh/balet
contemporâneo. O que há é homenagem a uma morta a mais entre os mortos amados
de Endo. Kazuo Ono também. IRIKU – não
sei o que diz a palavra. Sei o gesto do autor/leitor/ a leitura/releitura da
dança e a mostra de si, do outro, o nó do umcomooutro. A co-autoria. A letra - do outro, da música do outro que
Endo escolhe - em português, espanhol e francês. O que a música sem palavras do
espetáculo disse: eu sou Tadashi Endo que vivo KazuoPina neste aqui momento e
mostro meu sangue amarelo na cruz ocidental, que aceito, tendo a música como
canal sagrado. Encosto-me ao corpo de Pina e dançamos o réquiem, este solo para poucos.
O sol. A lua. A terra que se
move. Rotação e translação. Tudo é movimento mesmo quando se é um só.
(busco online: IKIRU é o
nome original do esplêndido VIVER, de Kurosawa cito: “VIVER...apresenta a visão da
compaixão, mostrando a beleza da vida de um homem a partir da explosão de sua
morte.... O
resultado é um olhar multifacetado da vida e suas perspectivas.”)
18/03/2012, no Teatro da Caixa Bsb
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