quinta-feira, 17 de outubro de 2013

oito de setembro de dois mil e treze

Hoje, oito de setembro de dois mil e treze
Vênus e Lua se uniram no céu
A cósmica união foi vista por todos
Nenhum pudor impediu que as grandes
as eternas
se fundissem num só vagar


Nosso mundo, cada ente da interminável cadeia
lentamente parou e todos
- a humanidade inteira em cada rincão
da Terra, onde há paz e onde há guerra -
todos ficaram em silêncio, olhos fixos no alto
por tempo eternamente indeterminado
Tempo sem tempo em que se acasalavam
misteriosa Lua e tresloucada Vênus

Em todas partes do planeta, como num rito acordado
cabeças se elevaram e com mudo temor
assistiram à nua entrega, à tremenda transgressão

Astrônomos e astrólogos pegos de surpresa
não tinham ideia da dimensão do fenômeno
Além, muito além do que se viu no céu
e do que a ciência previra

A breve e definitiva entrada de Vênus
na Lua marcou algo que ainda não se sabe
Estão por aí decidindo o que foi, o que é e será
Novo desenho, recorte num velho mistério
agora marcado pela diferença
para todo sempre marcado
pelo desmaio venusiano
pela invasão sem tamanho
daquele corpo de estrela naquele rosto
redondo,manchado,maculado pelo humano

pelo desmaio
pelo desmaio
da deusa

(o que foi vai muito além do que se viu no céu)

Terra, Serra dos Pirineus

Terra, Serra dos Pirineus.
Horizonte que ainda não vi, desconheço. Não ainda. Conheço o mais geral, o conhecido de todos, fácil e oferecido à vista. Mas aquilo que a fotografia mostra, o que o dedo de minha filha fez ver, ser possível de ser visto, é o meu recorte na Serra, no cerrado, no distante horizonte que, já demarcado, já meu, ainda não toquei como dona. A posse é algo da ordem da ideia, do impensado, mas um papel me diz que sim, e a foto atesta que sim: há este lugar e ele me pertence na terra. Estranhamente meu aquele espaço clicado, grafado no papel virtual pela lente e pela lei papel-dependente. Assim, possuidora de um recorte na Serra, nos Pirineus daqui, sonho o horizonte, aquele, como a morada dos deuses à qual me foi dado acesso,  sendo destinada, ela que a mim veio. Eu descortinada por lá, a esperar por mim. Morada donde habitarei, em distintos tempos e estados (meus, de meu corpo), habitarei. Entre esconderijos, eventuais cavernas, sem barricadas, eu a esperar por mim num esconde-esconde fora do tempo. Entre as vozes gregas, romanas, latinas, africanas que escuto naquele espaço, que saltam das fotos, desde ele, chega a mim veloz, pertinente, o passeio por intermitências, territorialidades essenciais. Desde este espaço sonho outro o que talvez também me pertença e eu a ele, pertença que dizem antiga atualizada - eu sem nada saber. Serra dos Pirineus, o fragmento dela que palmilharei, com pés e sem eles,  o azul, o azul, o azul e pequenos cajus do cerrado em primeiro plano. Desapropriada de mim, possuo. Despertencida, pertenço. Sem terra nenhuma, à deriva a foto me localiza, um site no mundo este meu. E ela me fala, diz, sussurra, essa terra: é aqui, é aqui a tua terra última, a terra desde onde olharás sem olhos a terra, essa Terra, céu por todos os lados, vento poliglota a guiar-te, vento conhecedor de todas as mitologias, pássaros de infinitos nomes alardeando a alegria do espaço. Adivinho, pressinto na foto, no papel que revela, a cortina sobre uma abertura, essa abertura dos espaços que são de fato espaços, desmesurados, abissais, aqueles que expõem, que não abrigam nem acobertam, expõe despudoradamente.
Desenho um flamboyant escandaloso na memória, na memória do que há de ser, do que não sei, memória  futura, reminiscência. Embaixo dele. Ventando nele, na explosão laranja ventando o vento que me demarca, estou lá, aqui sentindo o estar lá, lá na Serra, no alto, onde há essa terra que o número doze demarca, possuída por meu desejo e decisão, assinada por mim que a intuí e disse Sim. Um lugar para mim, para o que corpo carrega desse mim que não sei o que é (quem sabe?). Pertencimentos. Um depois desmesurado, impensável, possível apenas de ser pensado assim, improvável mas localizável território. A foto já me contém. Aquela que está lá já sou eu saltando com os animais, muito próxima deles, temor nenhum, conhecedora da língua dos pássaros, todas elas. Minha muda futura língua será assim, passarinha. Cantando desde agora.
(17 de outubro de 2013)