quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Terra, Serra dos Pirineus

Terra, Serra dos Pirineus.
Horizonte que ainda não vi, desconheço. Não ainda. Conheço o mais geral, o conhecido de todos, fácil e oferecido à vista. Mas aquilo que a fotografia mostra, o que o dedo de minha filha fez ver, ser possível de ser visto, é o meu recorte na Serra, no cerrado, no distante horizonte que, já demarcado, já meu, ainda não toquei como dona. A posse é algo da ordem da ideia, do impensado, mas um papel me diz que sim, e a foto atesta que sim: há este lugar e ele me pertence na terra. Estranhamente meu aquele espaço clicado, grafado no papel virtual pela lente e pela lei papel-dependente. Assim, possuidora de um recorte na Serra, nos Pirineus daqui, sonho o horizonte, aquele, como a morada dos deuses à qual me foi dado acesso,  sendo destinada, ela que a mim veio. Eu descortinada por lá, a esperar por mim. Morada donde habitarei, em distintos tempos e estados (meus, de meu corpo), habitarei. Entre esconderijos, eventuais cavernas, sem barricadas, eu a esperar por mim num esconde-esconde fora do tempo. Entre as vozes gregas, romanas, latinas, africanas que escuto naquele espaço, que saltam das fotos, desde ele, chega a mim veloz, pertinente, o passeio por intermitências, territorialidades essenciais. Desde este espaço sonho outro o que talvez também me pertença e eu a ele, pertença que dizem antiga atualizada - eu sem nada saber. Serra dos Pirineus, o fragmento dela que palmilharei, com pés e sem eles,  o azul, o azul, o azul e pequenos cajus do cerrado em primeiro plano. Desapropriada de mim, possuo. Despertencida, pertenço. Sem terra nenhuma, à deriva a foto me localiza, um site no mundo este meu. E ela me fala, diz, sussurra, essa terra: é aqui, é aqui a tua terra última, a terra desde onde olharás sem olhos a terra, essa Terra, céu por todos os lados, vento poliglota a guiar-te, vento conhecedor de todas as mitologias, pássaros de infinitos nomes alardeando a alegria do espaço. Adivinho, pressinto na foto, no papel que revela, a cortina sobre uma abertura, essa abertura dos espaços que são de fato espaços, desmesurados, abissais, aqueles que expõem, que não abrigam nem acobertam, expõe despudoradamente.
Desenho um flamboyant escandaloso na memória, na memória do que há de ser, do que não sei, memória  futura, reminiscência. Embaixo dele. Ventando nele, na explosão laranja ventando o vento que me demarca, estou lá, aqui sentindo o estar lá, lá na Serra, no alto, onde há essa terra que o número doze demarca, possuída por meu desejo e decisão, assinada por mim que a intuí e disse Sim. Um lugar para mim, para o que corpo carrega desse mim que não sei o que é (quem sabe?). Pertencimentos. Um depois desmesurado, impensável, possível apenas de ser pensado assim, improvável mas localizável território. A foto já me contém. Aquela que está lá já sou eu saltando com os animais, muito próxima deles, temor nenhum, conhecedora da língua dos pássaros, todas elas. Minha muda futura língua será assim, passarinha. Cantando desde agora.
(17 de outubro de 2013)



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