quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Crônica sobre IRIKU - um réquiem para Pina Bausch, de Tadashi Endo




 Um corpo. Aquele corpo. Um corpo Pina Bausch. O silêncio a figura estática a escuridão, a leitura que Tadashi Endo nos propõe, o lento alçar-se do personagem. Auréola de luz projetada no rosto que de Cristo vira  Buda tailandês e depois cara de  horror (O Grito?).
O ator se levanta.  O cenário em que se move é o espaço negro do palco  com um retângulo de metal dependurado. Endo  gruda-se em um  lado da lâmina, que gira. Naquele elemento (retângulo com homem) pode se ver a terra em  rotação (tu não tem moves de ti).  Outro momento, no retângulo-lâmina-espelho que reflete ator que dança, pura beleza. O corpo bausch, música da alma. Outro momento, Sísifo a carregar nas costas múltiplo retângulo -  tudo é possível para quem tem dois pés. E isto se trata de dança. Outro momento, ouve-se trecho da Melodia Sentimental da Floresta Amazônica, de Villa-Lobos, que diz: Acorda, vem ver a lua/Que dorme na noite escura/que surge tão bela e branca/Derramando doçura/Clara chama silente/Ardendo meu sonhar/As asas da noite que surgem/E correm no espaço profundo.
 Mais adiante, em retângulo no chão, Narciso nu funde–se consigo, ao levantar-se,  ama-se ao som de inesperado  Gardel. De repente  Cristo reaparece  naquele corpo  deitado –  voz mulher em neo-gospel where you there when they nailed him to the cross? /sometimes it causes me to tremble. Às vezes isso me faz tremer. Isso. É o que canta a voz. A música falando por ele, em três línguas, explícito.
As construções: Vazio - o tempo parado e lento do começo do Réquiem.  Catedral de som - adentramos como num túnel, fundo no universo, as transformações se seguem. Jardim ao luar - inexistente - belo é ouvir e ver.  Ao final do solo Réquiem, está em cena enorme imagem que remete à Pina Bausch em Café Muller  (o vestido branco que Endo também veste).
Do monge em negro do princípio à semi-deusa toda branca. A abstração da dança, que passa pelo corpo nu. Os braços de Pina, os braços tão magros e estendidos como os braços magros e estendidos de Endo. Muito além do óbvio masculin/feminin/ying/yang/negro/branco/butoh/balet contemporâneo. O que há é homenagem a uma morta a mais entre os mortos amados de Endo. Kazuo  Ono também. IRIKU – não sei o que diz a palavra. Sei o gesto do autor/leitor/ a leitura/releitura da dança e a mostra de si, do outro, o nó do umcomooutro. A co-autoria.  A letra - do outro, da música do outro que Endo escolhe - em português, espanhol e francês. O que a música sem palavras do espetáculo disse: eu sou Tadashi Endo que vivo KazuoPina neste aqui momento e mostro meu sangue amarelo na cruz ocidental, que aceito, tendo a música como canal sagrado. Encosto-me ao corpo de Pina e dançamos o réquiem, este solo  para poucos.
O sol. A lua. A terra que se move. Rotação e translação. Tudo é movimento mesmo quando se é um só.  
(busco online: IKIRU é o nome original do esplêndido VIVER, de Kurosawa cito: “VIVER...apresenta a visão da compaixão, mostrando a beleza da vida de um homem a partir da explosão de sua morte.... O resultado é um olhar multifacetado da vida e suas perspectivas.”)

18/03/2012, no Teatro da Caixa Bsb

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